quarta-feira, 2 de maio de 2018

Por que é importante que Azerbaijão 2018 seja lembrado como exemplo positivo ao invés de negativo

Você se lembra de um GP em que Senna e Prost trocaram de posições tantas vezes numa mesma corrida, com tentativas por dentro e por fora, como fizeram os garotos da Red Bull no último domingo?





A Force India viu toques entre seus pilotos e decretou a proibição total de disputas na pista. A Ferrari, a grande equipe da história da Fórmula 1 e aquela que deveria ser a mais enraizada ao esporte justamente por ter vivido o passado tão rico da Fórmula 1, trabalha claramente para apenas um carro, sendo avessa a batalhas internas. A Mercedes assumidamente contratou um piloto que "convive bem com o outro lado da garagem" – nas palavras ditas pelo próprio Toto Wolf.

Essa é a razão da reflexão expressa neste e no texto anterior.

O que preocupa e, confesso, me causa grande incômodo é ver a turma do “está vendo só” acreditar cada vez mais ter razão. Os que dizem “está vendo só como tem que proibir”, ou que clamam “está vendo só porque essa ou aquela equipe não permite brigas?”. Tenho forte impressão que essa turma ganha mais adeptos quando acidentes como o da Red Bull no Azerbaijão ocorrem. Há pouco tempo lancei no twitter um post condenando a postura pobre da Force India com Perez e Ocon, e me surpreendeu o número de fãs que defendia a proibição, como se o resultado da equipe viesse antes mesmo do divertimento deles próprios, os fãs.

Hoje em dia, muita gente que vai para uma arquibancada ou que assiste pela TV prefere ou aceita que lhe sejam negadas disputas que podem entrar para a história, ou deixar boas "marcas", como potencialmente faziam Ricciardo e Verstappen antes do contato. Nessas horas me pergunto onde está a imprensa, onde guardaram os fundamentos do jornalismo de sempre questionar decisões que beneficiam poucos em detrimento dos muitos que são a razão de existir de qualquer esporte ou produto televisivo.

Um parênteses: não assisti às transmissões nacionais da corrida pela TV – como faço já há 6 anos – mas durante o podcast Café com Velocidade foi citado que comentarias daqui “previram” a batida, algo na mesma linha do que escrevi no post anterior sobre o comentário feito na TV inglesa. Como alguém formado em jornalismo, me espanta e causa lamento ver outros profissionais da área defendendo intervenções “prévias” de equipes em disputas internas, ou achando absurdo e não reconhecendo o valor para o automobilismo que existe em dois carros “da mesma cor” dividindo uma freada.

A Fórmula 1 é muito mais Fórmula 1 quando se depara com uma disputa entre competidores que ocupam a mesma garagem. Isso não deveria ser um “corpo estranho”, muito pelo contrário. A tensão inerente à esse tipo de situação deixa as pessoas que assistem ainda mais ligadas, ainda mais envolvidas e ampliam ainda mais a repercussão no intervalo entre um GP e outro. Quem não está esperando ou já imaginando como vai será na próxima corrida se as duas Red Bull estiverem próximas uma da outra na pista?



Pensemos o seguinte, caro leitor ou leitora: qual grande rivalidade vem à mente quando se fala em Fórmula 1 e seu passado? Para a grande maioria, os nomes que surgem na cabeça são Senna e Prost (em grande parte graças ao fato do brasileiro e do francês terem brigado e duelado enquanto trabalhavam sob o mesmo teto).


Pois eu não me recordo com facilidade de um GP em que Senna e Prost tenham se emparelhado, roda a roda, tantas vezes e por tantas voltas como Ricciardo e Verstappen. É claro que ambos travaram grandes duelos, e certamente boas manobras existiram de fato - como em Ímola em 89... Mas o ponto é que é mais fácil lembrar-se de Senna e Prost se chocando em Suzuka do que trocando de posições 5 ou 6 vezes na mesma prova, com um deles tentando ora por dentro ora por fora, como os garotos da Red Bull fizeram no último domingo.

Mas infelizmente Ricciardo e Verstappen, depois de mostrar tanta qualidade e técnica, escorregaram e protagonizaram uma batida. Uma batida que tem, nos dias atuais, um potencial destrutivo muito grande, porque não fez apenas com que uma grande equipe tenha perdido pontos no Campeonato Mundial, mas pode ter feito com que muitos cheguem à conclusão que liberar pilotos para brigar entre si é algo maléfico, ou algo tão perigoso que merece ser podado desde a raiz. Outras equipes podem, vendo o que aconteceu, endurecer suas regras como fizeram as citadas no 1º parágrafo. Espero não estar certo, mas enxergo enorme risco de se associar qualquer disputa interna a um "acidente em potencial".

Como se um toque não pudesse ser discutido, trabalhado e não se pudesse EVOLUIR com base nele. Jamais deve-se relevar este tipo de batida, mas sim usar o que aconteceu e tentar trabalhar em cima disso, seja conversando com os pilotos, seja punindo financeiramente, seja até mesmo suspendendo alguém (mesmo sendo surreal de se imaginar que isso aconteça de fato). Há muitas opções em alternativa à pura e simples proibição.

Importante que a imprensa e os fãs entendam que possuem um papel a cumprir em momentos como esse: o papel de não aceitar que a Fórmula 1 - e por consequência o automobilismo - fiquem mais pobres depois de GPs tão ricos. 


6 comentários:

  1. Amigo Campos, fiquei muito feliz com sua retomada ao blog. Venho lendo seus posts desde a sua volta, só não tive como comentar. Bem, estou fazendo agora!

    É sensacional quando alguém consegue escrever algo que descreve com perfeição o pensamento do leitor. Neste sentido me sinto completamente representado por suas palavras.
    Contudo, vejo algo que transcende o meu sentimento pessoal (descrito acima) que é lançar luz ao pensamento contaminado pelo corporativismo das equipes e comprado pela “mídia especializada”. Acho de extrema importância que essa voz seja repetida o quanto for necessária, não faz sentido um telespectador pensar corporativistamente (do ponto de vista das equipes, é claro) e não esportivamente. Sua abordagem com a era Senna/Prost foi sensacional, não apenas pelo poder de síntese e analogia com o caso, mas também devido ao simbolismo da data. Fica a reflexão se alguém lembraria com carinho dessa época se então tivéssemos esse tipo de pensamento...

    Parabéns pelo ótimo trabalho e continuemos!

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    1. Muito obrigado por suas palavras, caro André. Pelas boas conversas que já tivemos por aqui e também no podcast, saiba que serva de estímulo este seu incentivo para seguirmos firmes com este espaço.

      É sempre preocupante ver quem deveria defender o esporte não fazê-lo. E este tema certamente renderá um post no futuro!

      Apareça sempre pois seus comentários também fazem diferença! Abraços!

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  2. Eu continuo achando que as ordens de equipe sempre vão existir, pq a equipe sempre vai querer defender o dela. O que pode mudar a realidade é a postura do piloto. Quantos terão coragem de fazer o que fizeram Rosberg (Áustria/16), Webber (Silverstone/10) ou Button (Istanbul/10)? São três exemplos de caras que peitaram a equipe. Não foram demitidos e nem suas carreiras acabaram. Ao invés de exemplos como os da Force India, deveríamos sempre lembrar de exemplos como esses três. E mais, já que Senna e Prost foram citados: existe a possibilidade de se imaginar que, caso surgisse uma ordem de equipe pra algum desses dois, eles obedeceriam?

    Eu realmente acho que o futuro do piloto é construído por ele mesmo. Quem é subserviente vai ser sempre, e estará sempre na condição de segundo piloto.

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    1. Concordo com o que foi dito, mas acredito que pode haver ausência deste tipo de "manobra" não em todas, mas em um número considerável de equipes. Por exemplo McLaren e Red Bull - não me recordo de ordens em Istambul 2010 - tanto que a Lewis e Jenson praticamente reprisam a disputa em 2011.

      A Red Bull, mesmo com alguns exemplos não muito "felizes", pode ser considerada uma equipe que não traz proibições no seu "estatuto", como fazem os carros vermelhos, por exemplo...

      Bem colocada a questão dos pilotos, sem sombra de dúvida responsáveis pela aceitação em muitos casos.

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  3. 1973, Emerson, primeiro piloto da Lotus, este estatus caracterizava-se pela primazia na utilização do carro reserva.
    GP da Italia, Peterson seu companheiro de equipe vence com Fittipaldi em segundo, eliminando as chances que o brasileiro ainda tinha de sagrar-se campeão na temporada. Revoltado, Emerson sentiu-se traido por Colim Chappiman, pois existia um acordo verbal, que a partir daquele ponto Petterson deveria ceder posição para Fittipaldi, como isto não ocorreu, decidiu não dirigir mais para a Lotus.
    1978, Mario Andretti, venceu o mundial, com um contrato assinado, onde o segundo piloto não poderia disputar posição com ele. Palavras do Mario em documentário do Now, ¨No atual estágio de minha carreira, não aceitaria uma disputa interna¨.
    Piquet, tri campeão em 1987, declarou que tinha um acordo com Frank Willians de privilégio total no time, mas com o grave acidente do chefe, a equipe descumpriu o trato.
    Infelizmente, não é de hoje que tais determinações acontecem na F1.
    Abraço a todos e parabens Fabio pelo seu ótimo post.

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    1. São todos bons exemplos do que foi escrito acima pelo Bruno: mesmo não sendo algo fácil, os pilotos podem tomar atitudes a respeito.

      Se me relatassem um jogo de equipe na corrida de Silverstone de 1950 - a 1ª corrida da história da Fórmula 1 - ainda assim eu seria contra e utilizaria este espaço para combater este tipo de atitude.

      Abraços o obrigado sempre, caro Antônio!

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