Não é apenas dinheiro,
não são apenas contratos: o que impressiona é a falta de interesse do alemão na
maior categoria do planeta.
“A Alemanha, para quem
não sabe, não é apenas mais um país entre aqueles que recebem a Fórmula 1 há
décadas.... Não é apenas um país que possui não apenas uma, mas duas pistas de
imenso valor histórico.... Saiba você que a Alemanha é nada mais nada menos que
o 2º pais que mais recebeu corridas de Fórmula 1 na história! Um país com esse
peso não pode estar de fora do mapa da categoria nem hoje nem em tempo algum”
Pouco
tempo antes de esta coluna ver a luz verde e passar a ser publicada no
Velocidade, a Fórmula 1 recebeu a notícia de que não passaria mais pela
Alemanha em 2015. Uma notícia que merecia muito mais destaque (ou muito mais
debate, no mínimo) do que foi dado em veículos de impressa, blogs, sites e
podcasts pelo Brasil e mundo afora.
Poucos
sentiram a perda, me parece. Ou poucos se manifestaram por ela, na verdade.
Poucas vozes se levantaram em tom de protesto, pelo que pude notar. A maioria
dos fãs de Fórmula 1 me pareceu resignada... Ou conformada. Por isso me
pergunto se todos entenderam o que foi perdido com essa notícia. Pouco tempo
atrás, me lembro de ter lido e percebido muito mais “barulho” e aclamações até de
revolta quando a França perdeu o seu GP (final de 2008), ou quando o Canadá
ficou ausente do calendário (2009). Não que estes países não mereçam ou não
devam ter reconhecida sua tradição em receber a Fórmula 1. É claro que são
praças indiscutivelmente importantes.
Mas
será que só para este humilde colunista que escreve estas linhas a ausência da
Fórmula 1 na Alemanha foi recebida quase como um choque, ou como algo difícil
de conceber? Será que o leitor tem também a sensação de que, de maneira
decepcionante, mais uma vez o campeonato parece ter “virado as costas” para uma
das mais ricas histórias do automobilismo do planeta?
A
Alemanha, para quem não sabe, não é apenas mais um país entre aqueles que
recebem a Fórmula 1 há décadas... Não se trata de um país que possui não apenas
uma, mas duas pistas de imenso valor histórico... Saiba você que a Alemanha é nada
mais nada menos que o 2º pais que mais recebeu corridas de Fórmula 1 na
história! Um país com esse peso não pode estar de fora do mapa da categoria nem
hoje nem em tempo algum.
E
mais grave ainda do que perder a Alemanha, é perder a chance de ver a Fórmula 1
correr em pistas que contribuíram de forma tão bela para construir a rica
história da própria categoria, como Hockeimheim e – com ainda maior
importância, Nurburgring.
Ainda
que deformadas – essa é a melhor expressão para o resultado das reformas que
fizeram dessas duas pistas algo completamente empobrecido em comparação com
seus traçados originais – Hocheimheim e Nurburgring são palcos genuínos de
corridas de automóveis. Nurburgring, por exemplo, faz parte do “imaginário” de
todos nós. Mesmo sabendo que não vamos assistir a um GP no traçado mais
desafiador já percorrido pela F1, sabemos que ele está lá. Sabemos, posso dizer
até que sentimos que ao lado do
“ring” que a categoria percorre está ali, bem ali, o “inferno verde”, a pista
onde 9 entre 10 fãs de automobilismo sonham poder passear um dia.
Quando
a indefinição a respeito do GP da Alemanha em 2015 ainda era a noticia, e o
assunto foi citado no podcast Café com Velocidade, eu mesmo cheguei a
apostar, de forma contundente, que o GP da Alemanha não deixaria o calendário.
Pois como imaginar que a maior economia da Europa, a quarta economia do
planeta, não teria condições de receber a Fórmula 1? O país que alia vitalidade
econômica com tradição e um vínculo com corridas que poucas nações possuem.
Afinal,
como imaginar que não fará parte da Fórmula 1 um país com a força
automobilística que a Alemanha possui? Um país que abriga companhias do tamanho
de Mercedes Benz, BMW, Porsche (todos estes com passagens pela Fórmula 1), além
de Volkswagen e Audi. Enfim, um país que é quase sinônimo de automóvel...
Como
acreditar que não fará parte da Fórmula 1 o país que conquistou 9 dos últimos 15 campeonatos mundiais de pilotos? O país
de Wolfgang Von Trips (sim, foi ele o primeiro alemão a brilhar na Fórmula 1),
o país do indestrutível (infelizmente apenas dentro das pistas) Michael
Schumacher, o país do fenômeno Sebastian Vettel...
E
é este último nome que me faz questionar como é possível que a Alemanha saia de
cena ainda no auge de sua competitividade como nação... Repare: eles ainda possuem
o maior campeão em atividade, e que acaba de reacender sua carreira na Ferrari.
Possuem Nico Rosberg, um piloto na melhor equipe do momento, e que no ano
passado se mostrou um belo desafiante num confronto pelo título que durou até a
última prova. Eles possuem um de seus “patrimônios”, a Mercedes, que não apenas
domina o campeonato como dá a entender que manterá a posição ainda por um bom
tempo...
Compare
(acho inevitável) a situação da Alemanha com a do Brasil... Custamos a ter 2
pilotos no grid, não temos um campeão mundial há 24 anos, não temos a
perspectiva do surgimento de novos talentos (o que eles possuem de sobra) e
seria o mais irreal dos sonhos imaginar uma equipe brasileira chegando perto
até mesmo do que faz a Manor atualmente...
Diante
de tudo isso há algo que, também de forma impressionante, nos leva ao ponto de
reflexão: apesar de toda a história, apesar do bom momento dentro das pistas e
apesar até de uma conjuntura econômica mais favorável em comparação com os
vizinhos europeus, o alemão não parece ter mais o mesmo interesse pela Fórmula
1.
Vejamos
com base em números: o público em Hockeimheim no ano passado foi de 52 mil
pessoas. Para que o GP pudesse gerar lucro, eram necessárias mais de 60 mil. O
prejuízo, segundo os organizadores, foi de 2 milhões de dólares no total. Ou
seja, a conta não fechou, como não fecha em Nurburgring já há alguns anos. As
arquibancadas vazias chamaram a atenção no GP da Alemanha de 2014. A presença
de público no autódromo (às vezes tão desprezada por alguns organizadores, e
até mesmo pela própria Fórmula 1 em muitos casos) é sim importante, é de fato
um termômetro e tem, sem sombra de dúvidas, a capacidade de manter ou não um
país no calendário da Fórmula 1. Façamos juntos um rápido levantamento dos calendários
recentes da Fórmula 1 e iremos concluir que a categoria tende a estar presente
nos países que vivem um bom momento dentro das pistas.
Reparem:
a Itália, pátria da equipe que arrasta o maior número de fãs aos autódromos,
sediou 2 GPs por mais de 20 anos (interrompeu essa sequencia justamente no fim
da era Schumacher, em 2006). A Espanha, no embalo das conquistas de Fernando
Alonso, teve também seu momento de 2 GPs por ano.
É
algo que faz pensar. Estará o torcedor alemão um passo a frente dos outros fãs?
A falta de público na Alemanha pode ser uma tendência? Seria o prenúncio de uma
decrescente falta de público a atingir também outras pistas que hoje não têm
este problema? E o principal: por que o público estaria deixando de ir aos
autódromos?
A
Fórmula 1 é um evento com ingresso caro, é um esporte cheio de regras que
obrigam seus participantes a serem sempre politicamente corretos. A Fórmula 1
perdeu suas equipes mais tradicionais. A Fórmula 1 jogou fora o apaixonante
grito de seus motores. A Fórmula 1 teve períodos de amplo domínio de uma equipe
ou um piloto sobre os outros, e isso seguidas vezes desde a virada do século...
Enfim, quando debatemos os rumos da Fórmula 1 e algumas atitudes que às vezes
não parecem considerar a opinião dos fãs, muitas vezes não percebemos que as consequências ruins e supostamente de
longo prazo podem já ter começado. O sempre debatido “futuro da Fórmula 1”
pode já estar em andamento, e um de seus sintomas consiste na diminuição do
público nos autódromos.
Posso
afirmar com exatidão, já que estive presente em Montmeló nos últimos 4 anos,
que o Grande Prêmio da Espanha vem tendo queda significativa de público ano
após ano – e não se deve ao fator Fernando Alonso, pois o piloto venceu lá em
2013. Quem frequenta o Autódromo de Interlagos há mais de 15 anos, como muitos
de nós, percebe claramente que os tempos de lotação esgotada ficaram para trás.
Portanto,
a ameaça às corridas tradicionais existe e é real... No caso das corridas
europeias, é preciso agir para evitar que este seja o começo do fim (ainda há
tempo, sem dúvida, para reverter a tendência). A maior ameaça às pistas
tradicionais não é a Àsia, como muitos pensam (a Fórmula 1 ampliará seu
calendário e a duração da temporada o quanto for necessário – não é necessariamente
a entrada de um país que exclui outro). A maior ameaça à presença de Itália,
Inglaterra, Áustria, Espanha e etc é a falta de público para sustentar o
evento, como a Alemanha nos escancarou em 2015. É o fato da Fórmula 1 muitas
vezes não considerar essa peça tão importante de sua engrenagem: o público que
vai para pista.
Texto publicado em 09/04/2015 no site Velocidade