terça-feira, 26 de maio de 2015

Por que a Alemanha jamais poderia ficar de fora da Fórmula 1

Não é apenas dinheiro, não são apenas contratos: o que impressiona é a falta de interesse do alemão na maior categoria do planeta.



“A Alemanha, para quem não sabe, não é apenas mais um país entre aqueles que recebem a Fórmula 1 há décadas.... Não é apenas um país que possui não apenas uma, mas duas pistas de imenso valor histórico.... Saiba você que a Alemanha é nada mais nada menos que o 2º pais que mais recebeu corridas de Fórmula 1 na história! Um país com esse peso não pode estar de fora do mapa da categoria nem hoje nem em tempo algum”



Pouco tempo antes de esta coluna ver a luz verde e passar a ser publicada no Velocidade, a Fórmula 1 recebeu a notícia de que não passaria mais pela Alemanha em 2015. Uma notícia que merecia muito mais destaque (ou muito mais debate, no mínimo) do que foi dado em veículos de impressa, blogs, sites e podcasts pelo Brasil e mundo afora.

Poucos sentiram a perda, me parece. Ou poucos se manifestaram por ela, na verdade. Poucas vozes se levantaram em tom de protesto, pelo que pude notar. A maioria dos fãs de Fórmula 1 me pareceu resignada... Ou conformada. Por isso me pergunto se todos entenderam o que foi perdido com essa notícia. Pouco tempo atrás, me lembro de ter lido e percebido muito mais “barulho” e aclamações até de revolta quando a França perdeu o seu GP (final de 2008), ou quando o Canadá ficou ausente do calendário (2009). Não que estes países não mereçam ou não devam ter reconhecida sua tradição em receber a Fórmula 1. É claro que são praças indiscutivelmente importantes.

Mas será que só para este humilde colunista que escreve estas linhas a ausência da Fórmula 1 na Alemanha foi recebida quase como um choque, ou como algo difícil de conceber? Será que o leitor tem também a sensação de que, de maneira decepcionante, mais uma vez o campeonato parece ter “virado as costas” para uma das mais ricas histórias do automobilismo do planeta?

A Alemanha, para quem não sabe, não é apenas mais um país entre aqueles que recebem a Fórmula 1 há décadas... Não se trata de um país que possui não apenas uma, mas duas pistas de imenso valor histórico... Saiba você que a Alemanha é nada mais nada menos que o 2º pais que mais recebeu corridas de Fórmula 1 na história! Um país com esse peso não pode estar de fora do mapa da categoria nem hoje nem em tempo algum.

E mais grave ainda do que perder a Alemanha, é perder a chance de ver a Fórmula 1 correr em pistas que contribuíram de forma tão bela para construir a rica história da própria categoria, como Hockeimheim e – com ainda maior importância, Nurburgring.

Ainda que deformadas – essa é a melhor expressão para o resultado das reformas que fizeram dessas duas pistas algo completamente empobrecido em comparação com seus traçados originais – Hocheimheim e Nurburgring são palcos genuínos de corridas de automóveis. Nurburgring, por exemplo, faz parte do “imaginário” de todos nós. Mesmo sabendo que não vamos assistir a um GP no traçado mais desafiador já percorrido pela F1, sabemos que ele está lá. Sabemos, posso dizer até que sentimos que ao lado do “ring” que a categoria percorre está ali, bem ali, o “inferno verde”, a pista onde 9 entre 10 fãs de automobilismo sonham poder passear um dia.

Quando a indefinição a respeito do GP da Alemanha em 2015 ainda era a noticia, e o assunto foi citado no podcast Café com Velocidade, eu mesmo cheguei a apostar, de forma contundente, que o GP da Alemanha não deixaria o calendário. Pois como imaginar que a maior economia da Europa, a quarta economia do planeta, não teria condições de receber a Fórmula 1? O país que alia vitalidade econômica com tradição e um vínculo com corridas que poucas nações possuem.

Afinal, como imaginar que não fará parte da Fórmula 1 um país com a força automobilística que a Alemanha possui? Um país que abriga companhias do tamanho de Mercedes Benz, BMW, Porsche (todos estes com passagens pela Fórmula 1), além de Volkswagen e Audi. Enfim, um país que é quase sinônimo de automóvel...

Como acreditar que não fará parte da Fórmula 1 o país que conquistou 9 dos últimos 15 campeonatos mundiais de pilotos? O país de Wolfgang Von Trips (sim, foi ele o primeiro alemão a brilhar na Fórmula 1), o país do indestrutível (infelizmente apenas dentro das pistas) Michael Schumacher, o país do fenômeno Sebastian Vettel...

E é este último nome que me faz questionar como é possível que a Alemanha saia de cena ainda no auge de sua competitividade como nação... Repare: eles ainda possuem o maior campeão em atividade, e que acaba de reacender sua carreira na Ferrari. Possuem Nico Rosberg, um piloto na melhor equipe do momento, e que no ano passado se mostrou um belo desafiante num confronto pelo título que durou até a última prova. Eles possuem um de seus “patrimônios”, a Mercedes, que não apenas domina o campeonato como dá a entender que manterá a posição ainda por um bom tempo...

Compare (acho inevitável) a situação da Alemanha com a do Brasil... Custamos a ter 2 pilotos no grid, não temos um campeão mundial há 24 anos, não temos a perspectiva do surgimento de novos talentos (o que eles possuem de sobra) e seria o mais irreal dos sonhos imaginar uma equipe brasileira chegando perto até mesmo do que faz a Manor atualmente...

Diante de tudo isso há algo que, também de forma impressionante, nos leva ao ponto de reflexão: apesar de toda a história, apesar do bom momento dentro das pistas e apesar até de uma conjuntura econômica mais favorável em comparação com os vizinhos europeus, o alemão não parece ter mais o mesmo interesse pela Fórmula 1.

Vejamos com base em números: o público em Hockeimheim no ano passado foi de 52 mil pessoas. Para que o GP pudesse gerar lucro, eram necessárias mais de 60 mil. O prejuízo, segundo os organizadores, foi de 2 milhões de dólares no total. Ou seja, a conta não fechou, como não fecha em Nurburgring já há alguns anos. As arquibancadas vazias chamaram a atenção no GP da Alemanha de 2014. A presença de público no autódromo (às vezes tão desprezada por alguns organizadores, e até mesmo pela própria Fórmula 1 em muitos casos) é sim importante, é de fato um termômetro e tem, sem sombra de dúvidas, a capacidade de manter ou não um país no calendário da Fórmula 1. Façamos juntos um rápido levantamento dos calendários recentes da Fórmula 1 e iremos concluir que a categoria tende a estar presente nos países que vivem um bom momento dentro das pistas.
Reparem: a Itália, pátria da equipe que arrasta o maior número de fãs aos autódromos, sediou 2 GPs por mais de 20 anos (interrompeu essa sequencia justamente no fim da era Schumacher, em 2006). A Espanha, no embalo das conquistas de Fernando Alonso, teve também seu momento de 2 GPs por ano.

É algo que faz pensar. Estará o torcedor alemão um passo a frente dos outros fãs? A falta de público na Alemanha pode ser uma tendência? Seria o prenúncio de uma decrescente falta de público a atingir também outras pistas que hoje não têm este problema? E o principal: por que o público estaria deixando de ir aos autódromos?

A Fórmula 1 é um evento com ingresso caro, é um esporte cheio de regras que obrigam seus participantes a serem sempre politicamente corretos. A Fórmula 1 perdeu suas equipes mais tradicionais. A Fórmula 1 jogou fora o apaixonante grito de seus motores. A Fórmula 1 teve períodos de amplo domínio de uma equipe ou um piloto sobre os outros, e isso seguidas vezes desde a virada do século... Enfim, quando debatemos os rumos da Fórmula 1 e algumas atitudes que às vezes não parecem considerar a opinião dos fãs, muitas vezes não percebemos que as consequências ruins e supostamente de longo prazo podem já ter começado. O sempre debatido “futuro da Fórmula 1” pode já estar em andamento, e um de seus sintomas consiste na diminuição do público nos autódromos.

Posso afirmar com exatidão, já que estive presente em Montmeló nos últimos 4 anos, que o Grande Prêmio da Espanha vem tendo queda significativa de público ano após ano – e não se deve ao fator Fernando Alonso, pois o piloto venceu lá em 2013. Quem frequenta o Autódromo de Interlagos há mais de 15 anos, como muitos de nós, percebe claramente que os tempos de lotação esgotada ficaram para trás.


Portanto, a ameaça às corridas tradicionais existe e é real... No caso das corridas europeias, é preciso agir para evitar que este seja o começo do fim (ainda há tempo, sem dúvida, para reverter a tendência). A maior ameaça às pistas tradicionais não é a Àsia, como muitos pensam (a Fórmula 1 ampliará seu calendário e a duração da temporada o quanto for necessário – não é necessariamente a entrada de um país que exclui outro). A maior ameaça à presença de Itália, Inglaterra, Áustria, Espanha e etc é a falta de público para sustentar o evento, como a Alemanha nos escancarou em 2015. É o fato da Fórmula 1 muitas vezes não considerar essa peça tão importante de sua engrenagem: o público que vai para pista.


Texto publicado em 09/04/2015 no site Velocidade

O Antídoto da Fórmula 1 contra o próprio veneno

O momento da Fórmula 1 exige que algo seja feito para dar emoção às corridas. E a escolhida foi a borracha



"Os pneus de um carro de Fórmula 1 não são mais como pneus normais, não tem mais a função “cotidiana” de apenas ser o contato do equipamento com o solo. Hoje, os pneus são uma peça rigorosa, um filtro tão poderoso que é capaz de se sobrepor às mais importantes inovações aerodinâmicas, a mais avançada unidade motriz, ao mais arrojado dos pilotos que não utilizar seu talento em favor deles, ou ao mais capaz dos engenheiros."



Após uma apresentação pobre em ultrapassagens na Austrália, a Fórmula 1 realizou – pelo menos na opinião da imensa maioria, incluindo a deste que vos escreve – uma prova à altura da expectativa na Malásia. Sim – e como é bom quando acontece, não é? – houve ultrapassagens, fechadas de portas, disputas entre pilotos pela liderança, disputas entre companheiros de equipe (para surpresa de muitos, tenho certeza), enfim: o mínimo que essa categoria tem a obrigação de apresentar a quem liga a TV ou paga – caro – por um ingresso para estar na pista.

Agora, você já se perguntou o motivo da corrida ter sido tão boa? Por que, depois de um passeio da Mercedes em Melbourne, surgiu de repente alguém que não apenas a enfrentasse, mas mais do que isso, até a superasse? O que mudou, o que fez de Sepang algo tão inexoravelmente distante de Albert Park? Testes, não existiram. O trabalho extenuante e ininterrupto nas fábricas? Improvável – por mais que a Formula 1 encontre décimos de segundo em suas sedes todas as terças, quartas, quintas-feiras e etc, não daria tempo para uma mudança tão brusca em tão pouco tempo.

“Simples, trata-se de uma pista diferente” dirão incautos leitores. Sim, não se discute que Sepang é um autódromo de verdade, enquanto que Melbourne – por mais encantadora que seja na minha visão – é um parque, com um circuito e um asfalto que não foram feitos à feição da Fórmula 1, mas sim adaptados a ela.

A diferença de traçado também é pouco para explicar como uma Ferrari que levou um segundo e meio da poderosa Mercedes pôde conquistar uma vitória sólida, segura e incontestável. Houve algo a mais que fez de Sepang um local onde as disputas ocorreram, onde pilotos disputaram freadas e brigaram por posições tendo que explorar seus repertórios de ousadia, habilidade e técnica.

O que houve em Sepang foram os pneus. Pneus Pirelli que assustaram muitos times na sexta-feira, pelo fato de não suportarem a temperatura de 60 graus no asfalto malaio.
A Fórmula 1 testou em Jerez e Barcelona no que nós gostamos de chamar de “inverno europeu”. Nestas pistas, a temperatura média não chegou à metade da de Sepang. Ao contrário do que muitos acreditam, a borracha este ano não é exatamente a mesma do ano passado. Os pneus traseiros possuem composto diferente (especialmente os supermacios, que ainda não entraram oficialmente nas pistas em 2015 – o que ndica que ainda podemos ter alguma surpresa no horizonte), e os projetos dos carros são, evidentemente, também novos.

Ou seja, o modus operandi das escuderias na Malásia se tornou um desafio. Foi a primeira vez que as equipes se viram na situação de extrair o máximo da nova borracha em condições que ainda não estavam precisamente detalhadas em seus relatórios e bancos de dados.

O resultado foi a corrida que vimos neste domingo: estratégias diferentes, pilotos alcançando outros por estarem com pneus mais novos, equipes aproveitando (ou não) uma intervenção do safety car, competidores que foram bem na Austrália irem mal na Malásia, e assim segue... E não foi a primeira vez. Já nos acostumamos a olhar para a pista e ver, fora do traçado normal dos bólidos (essa é sem dúvida a palavra mais bela desta coluna inicial), uma verdadeira nuvem de detritos deixados pelos pneus que, por filosofia, se deterioram.

Mudou a prova, agitou a corrida, trouxe emoção ao esporte, e não foi a primeira vez... Pelo contrário... Desde a temporada de 2011, quando a filosofia que transformou os pneus em “bens não duráveis” foi implementada, a Fórmula 1 viu uma série de corridas que devem até hoje suas ultrapassagens e sua indefinição de quem cruzaria a linha de chegada em primeiro ao uso da borracha – seja através do melhor ajuste do carros, seja através da estratégia de ter a borracha certa no momento certo.

Os pneus de um carro de Fórmula 1 não são mais como pneus normais, não tem mais a função “cotidiana” de apenas ser o contato do equipamento com o solo. Hoje, os pneus são uma peça rigorosa, um filtro tão poderoso que é capaz de se sobrepor às mais importantes inovações aerodinâmicas, a mais avançada unidade motriz, ao mais arrojado dos pilotos que não utilizar seu talento em favor deles, ou ao mais capaz dos engenheiros.

O melhor carro pode, sim, ser derrotado por um carro inferior. Equipes médias podem conseguir bons resultados se dominarem o uso dos pneus (lembrem-se da Lotus em 2012 e 2013, dos pódios de Sergio Perez com a Sauber em 2012, ou o quanto a própria Mercedes sofreu com o aquecimento excessivo de pneus nos primeiros anos da Pirelli). Após tantos anos de mudanças, tentativas (louve-se a intenção) e implementações de soluções (algumas delas com efeitos terrivelmente nocivos como o DRS, mas este é uma assunto para uma próxima coluna), esta é sem dúvida a mais efetiva das regras, aquela que atingiu, sem tirar da pista a essência do espetáculo e do automobilismo, seu objetivo de concepção.

E assim entramos naquilo que eu julgo que será o mais divertido de exercer neste espaço: a reflexão.

Raciocinemos juntos, amigos: Por que precisamos de algo com essa força de influência tão forte para fazer das corridas algo minimamente atraente? Se a ideia é de que cada um vença por seus méritos próprios, que cada montadora entre para despejar sua capacidade de produção e criação, que cada um seja obrigado a construir seu chassi, sem compartilhá-lo com um time de menor orçamento, enfim: se a “filosofia central” que hoje esmaga equipes pequenas é a de que vença o melhor e maior, por seus próprios méritos e com seus caros recursos, por que não soltá-los sem interferências (como estas de pneus, entre outras) na pista e assim dar continuidade à “filosofia central”?

A resposta é simples: se isso for feito, não há corrida. Não há disputa. Se ficar pura e simplesmente por conta do poder das equipes, se ficar pura e simplesmente por conta do poderio financeiro e da tecnologia, a chance de vermos uma corrida com ultrapassagens, estratégias e indefinição do vencedor se reduzirá exponencialmente. A Fórmula 1 cria artifícios porque sabe que não haverá uma equalização, e isso é algo que ela deveria promover no conceito inicial do campeonato.

A regra dos pneus é efetiva e funciona muito bem, mas só existe porque a Fórmula 1 precisa de um antídoto contra seu próprio veneno.


Texto publicado em 02/04/2015 no site Velocidade