quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

A volta do velho Nurburgring ao automobilismo mundial

Quem apostaria que um evento da FIA voltaria a acontecer em um dos palcos mais místicos da história do automobilismo




“Assistir ao GP em Nordschleife me fez pensar em como o automobilismo foi, ou vai, se apequenando ao longo dos anos, como vai se tornando cada vez mais um esporte de bibelôs, de meninos hábeis e envoltos de segurança exagerada, e vem deixando de ser uma atividade para aqueles que já foram os seres mais corajosos, de maior bravura, e cujo objetivo ao se tornarem pilotos era o de superar, no braço, as dificuldades que uma pista e um carro lhes impunham”


Texto publicado em 19/05/2015 no site Velocidade


O velho Nurburgring.... Uma oportunidade de ouro.... Quem gosta de automobilismo, e quem gosta acima de tudo de conhecer a história da Fórmula 1 e das corridas em geral teve neste último final de semana uma chance rara. Passados 39 anos após sediar sua última corrida de Fórmula 1, o traçado de Nordschleife em Nurburgring voltou a receber uma competição oficial da FIA.

Para quem não sabe, trata-se do circuito de cerca de 25 km que a Fórmula 1 percorreu por 22 vezes entre 1951 e 1976... Era um dos palcos mais fascinantes das corridas de automóveis, até que o acidente quase fatal de Niki Lauda interrompeu a história que a categoria máxima do automobilismo construiu no mítico palco, um dos mais desafiadores entre todos já criados, pode-se afirmar sem medo de errar. Niki Lauda escapou da morte naquele 1º de Agosto de 1976. O traçado de Nordschleife não. Pelo menos para o universo do automobilismo de ponta, naquele dia quem morreu foi a pista..... Foi exumada do calendário e condenada a ponto turístico...  Até chegar este maio de 2015...

O WTCC trouxe de volta a chance de todos admirarmos as curvas magistrais da pista que invade a floresta, da pista que tem subidas e descidas altamente desafiadoras, da pista que já tirou a vida de vários pilotos de Fórmula 1 (como o argentino Onofre Marimon, em 1954 , o inglês Peter Collins em 1958, o holandês Carel de Beaufort em 1964, o também inglês John Taylor em 66 e o alemão Gerhard Mittler em 1969 – isto apenas para citar pilotos que morreram ao volante de um Fórmula 1, sem incluir aqueles que perderam suas vidas na pista ao volante de carros de outras categorias). Se você ainda não assistiu, e se tem um mínimo de interesse no lado mais brilhante de uma corrida de carros, não deixe de ver. É absolutamente impressionante ver a beleza do traçado, a variedade do traçado, as tomadas aéreas, as pessoas próximas à pista, enfim, a atmosfera de um lugar que contribuiu e muito para o automobilismo se tornar sinônimo de coragem, de bravura e de desafio.

Numa atitude que contraria suas próprias decisões na história recente, já que é ela uma das responsáveis pela aniquilação de autódromos tradicionais (seja cortando seus traçados ao meio ou eliminando do calendário mundial pistas que são verdadeiros desafios aos seres humanos que por elas pilotam), a Federação Internacional de Automobilismo deu o aval para uma corrida que jamais poderia ter ficado tanto tempo longe dos olhos de uma geração inteira que cresceu assistindo corridas, e ouvindo as histórias do “Inferno Verde” – apelido dado por Jackie Stewart.

Durante todos esses anos, Nordschleife esteve apenas no nosso imaginário, no máximo como traçado de algum simulador desses que iludem as pessoas que pensam que um simples jogo se assemelha ao desafio e à perícia que pistas como essa exigem na realidade. Durante todos esses anos, Nordschleife se tornou parte de um passado que parecia fadado a ser apreciado apenas nos arquivos das corridas.

É incrível como a mentalidade das pessoas que comandam o automobilismo fez com que todos acreditassem que era impossível correr em pistas longas, seja por razões de segurança, por imposição da TV, ou até pelo patético argumento que uma corrida precisa ter 70 e tantas voltas para que placas de publicidade apareçam 70 e tantas vezes na televisão.

Todos nós, pelo menos quem tem menos de 50 ou 60 anos, compramos e embarcamos nesta ideia. Crescemos vendo corridas em pistas de 3 ou 4 km. Quando vemos uma pista com 7 km, já vemos como algo “diferente”.

Assistir ao GP em Nordschleife me fez pensar em como o automobilismo foi, ou vai, se apequenando ao longo dos anos, como vai se tornando cada vez mais um esporte de bibelôs, de meninos hábeis e envoltos de segurança exagerada, e vem deixando de ser uma atividade para aqueles que já foram os seres mais corajosos, de maior bravura, e cujo objetivo ao se tornarem pilotos era o de superar, no braço, as dificuldades que uma pista e um carro lhes impunham. O velho Nurburgring desafiava os pilotos em todos os aspectos, era o exemplo da razão – acredito – pela qual muitos seguiam o caminho das corridas. Pela satisfação pessoal, não para se tornar rico ou popstar.

Muitos ainda acreditam que o caminho dos últimos anos é o correto. Sim, foi “apenas” um fim de semana de WTCC, e muitos argumentarão – até com razão - que essa prova não significa que estamos próximos de uma mudança de cultura. Eu mesmo argumento que o próprio WTCC talvez não sirva de parâmetro de uma categoria de peso, já que – apesar de ser um certame mundial da FIA – não se trata de um campeonato ranqueado no topo das categorias do automobilismo. Sequer entre as categorias de turismo.

Mas eu prefiro encarar o fim de semana de corridas em Nordschleife como uma excelente oportunidade. Antes de tudo, uma oportunidade para que todos nós possamos rever certos conceitos. Ao assistir à corrida em Nurburgring, vemos que corridas assim, ainda que como exceção, podem existir. É possível sim posicionar fiscais, câmeras de TV, pontos de atendimento em uma pista de 23, 24 km. O WTCC mostrou que é possível “sobreviver” a corridas como a deste final de semana.

Oportunidade para Confederações, organizadores e a própria Federação Internacional vejam que este tipo de corrida mexe com as pessoas. O número de barracas e pessoas acampadas próximas a pista é uma prova disso. Mais importante do que o lucro, é importante criar um vínculo com espectador. O fascínio das pessoas por uma pista, por um traçado, é suficiente para arrastar multidões a um autódromo. Quem já foi a algum dos grandes circuitos do planeta sabe disso. Como dirigentes, eles deveriam saber.

Oportunidade para que emissoras de TV entendam que com a tecnologia e os recursos de hoje, é muito mais fácil transmitir e coordenar a transmissão de um GP numa pista de 20 km do que nos anos 50, 60 e 70, quando essas pistas eram usadas. Basta ter iniciativa.
Oportunidade, enfim, para refletirmos. Precisávamos mesmo ter perdido estas pistas? Em que momento a obsessão com a segurança nos fez seguir a filosofia de que somente as pistas curtas, muitas delas enfadonhas e repetitivas, trariam segurança ao automobilismo?

Em que ponto da história o desafio de pilotar perdeu para o temor ao risco de acidentes?

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Quem o regulamento da Fórmula 1 deveria de fato proteger

Se a Red Bull abandonar o esporte, a Fórmula 1 teria como tapar, de imediato, o buraco deixado pela saída de 4 carros do grid de uma só vez?




“A Fórmula 1 se deixou arrastar para um ponto em que não é mais possível conquistar, ou sequer sonhar em conquistar, qualquer coisa sem que seja despejado algo perto de meio bilhão de dólares em desenvolvimento, estrutura, salários, túnel de vento, equipes enormes de engenheiros e pesquisa 7 dias por semana dentro das fábricas”



Texto publicado em 02/05/2015 no site Velocidade



Dietrich Mateschitz afirmou há alguns dias que a sua empresa, a Red Bull, pode sair da Fórmula 1.

E pode mesmo...

Vamos tentar fugir da análise rasa e simplista que aponta para algum tipo de “esperneio”, ou “choro de perdedor”, como alguns disseram. A questão vai além disso. Por mais que os resultados nas pistas estejam sendo preocupantes para aqueles que venceram 4 dos últimos 5 campeonatos mundiais, e por mais que as razões das reclamações possam de fato ser questionadas – todos sabemos que não só no esporte mas em todos os segmentos da vida há uma hora de vencer mas também há um momento em que se é derrotado -  ainda assim há algo na essência do discurso da Red Bull que precisa ser captado, que precisa ser pensado.

Independente do destino que a Red Bull escolha seguir, as indicações de possibilidades não muito favoráveis ao esporte devem sim ser levadas em consideração. Afinal, não seria a primeira grande companhia a sair da Fórmula 1. Não seria a última, provavelmente. E, como pior de tudo, não seria a primeira vez que a Fórmula 1 veria desaparecer do grid uma das equipes mais vitoriosas de todos os tempos.

A possível saída da Red Bull, caso ocorresse hoje, simplesmente aleijaria a Fórmula 1. Paradoxalmente, é a oportunidade da Fórmula 1 repensar e discutir porque o mais importante para ela deveria ser zelar pelas equipes pequenas, e não as grandes, apesar do estrago que a saída da Red Bull faria no grid de hoje. Este é o principal argumento desta coluna de hoje.

Em principio há um paradoxo no pensamento, certo? Hoje a presença da Red Bull é quase que fundamental para se ter um grid – que já é dos mais raquíticos – com um mínimo aceitável de carros. Mas é justamente pela possibilidade de saída de uma “grande empresa” que a Fórmula 1 deveria olhar para aqueles que hoje são chamados de “pequenos”, mas que na verdade e na história da categoria são muito maiores do que os imediatistas dos dias atuais podem imaginar. A Fórmula 1 se tornou refém, se tornou dependente das “empresas gigantes”, mas não são elas que a Fórmula 1 deveria proteger, ou por quem deveria zelar – todo o seu regulamento deveria “convidar”, ou deveria servir para manter no esporte aqueles que fizeram a Fórmula 1 chegar onde chegou, e que construíram algumas das mais ricas páginas de sua história: as autênticas equipes de corridas, e não montadoras ou companhias que fazem da Fórmula 1 apenas mais um departamento entre os vários que existem em suas estruturas.

Especificamente sobre a Red Bull, evidentemente há na Fórmula 1 um jogo de “pressão por vias externas”, ou seja: uso da mídia para declarar posições de forma muitas vezes mais exagerada do que elas realmente são. Algumas equipes já utilizaram desta tática. O próprio mandatário da Fórmula 1 usa a mídia a seu bel prazer – mídia essa que se deixa levar e manipular com facilidade, diga-se de passagem – para projeções catastróficas ou profecias desconexas.

Mas os tempos atuais são preocupantes, o leitor há de concordar. O grid está pobre, a raiz estrutural privilegia alguns poucos, os gastos estão enormes, pilotos pagantes se tornaram figuras comuns. Hoje, a Fórmula 1 não está em condições de perder mais carros no grid, muito menos de perder uma das empresas que mais se envolveram com automobilismo desde que esse esporte passou a existir. Eu mesmo talvez não tenha visto uma empresa se envolver em tantas categorias, com tantos pilotos e com tamanha seriedade de projeto como a Red Bull. Por isso, acho que merecem que suas declarações sejam ouvidas.

Empresas não choram, empresas não esperneiam. Empresas agem. Empresas cortam orçamento. Se alguém – e ninguém mais ninguém menos que o presidente da empresa, ou seja, não se trata de uma figura qualquer da cadeia de comando – vem a publico e coloca a participação de seu time na Fórmula 1 em questão, isto deve ser considerado e debatido por quem se preocupa com o futuro da categoria. Mesmo que seja algo para atrair atenção para a causa da equipe (uma mudança no regulamento, no caso, para ajudar na verdadeira batalha pela qual passa a Renault para fazer um motor minimamente competitivo), a saída da Red Bull não é uma possibilidade a se descartar. Afinal, não seria a primeira grande corporação a desistir da Fórmula 1 quando lhe convém. Ou alguém que acompanha a Fórmula 1 pode garantir, com 100% de certeza, que a Red Bull ficará no esporte para sempre? O que nos resta é cogitar os cenários prováveis que o futuro pode nos apresentar.

Todo ano, em algum momento do verão europeu, os diretores da companhia se reúnem e discutem a permanecia – sendo mais especifico: o retorno financeiro – da empresa na Fórmula 1. Não é um procedimento novo, ou que tenha relação com a atual dificuldade da equipe em conseguir resultados dentro da pista. Trata-se de um procedimento padrão, uma reunião anual de uma empresa que faz seus balanços e levanta seus dados. Não há nada de anormal no fato de uma grande empresa fazer isso. E estas mesmas reuniões ocorreram em 2011, 2012, 2013.... Enfim, também nos anos em que a Red Bull conquistava resultados incontestáveis.

O possível prejuízo, ou o tamanho da perda para a categoria com uma possível saída da Red Bull é muito grande, muito maior do que deveria. Por isso eu afirmo que mesmo que não saiam agora, a simples ameaça já joga luz (ou deveria jogar) no grave problema da categoria: a dependência das grandes empresas. E raciocinemos com clareza o fato obvio que poucas pessoas querem enxergar: algum dia eles irão sair. Não vão ficar para sempre.
E caso saiam hoje, possuiria a Fórmula 1 condições estruturais para preencher 4 vagas no grid? Não se esqueça, leitor, que a Red Bull põe na pista 4 carros atualmente, e não apenas dois.

A Fórmula 1 se deixou arrastar para um ponto em que não é mais possível conquistar, ou sequer sonhar em conquistar, qualquer coisa sem que seja despejado algo perto de meio bilhão de dólares em desenvolvimento, estrutura, salários, túnel de vento, equipes enormes de engenheiros e pesquisa 7 dias por semana dentro das fábricas.

Atingimos aqui o chamado “ponto de reflexão”: Por ter chegado a esta situação, a Fórmula 1 passa a ser dependente de empresas que deveriam – sem sombra de dúvida – participar do esporte, mas não controlar o esporte, não fazer do esporte algo que premie apenas quem tem mais dinheiro.

A propulsão financeira sempre fará diferença nos esportes. Em todos eles. O que dizer então de um esporte que possui equipamento tão complexo, tão desenvolvido, com tantas peças e tanta tecnologia por trás? Sem dúvida, é ilusório pensar que um dia teremos uma Fórmula 1 com 12 equipes de tamanhos equivalentes. Mas há uma distância entre uma equipe ter melhores condições por ter um maior orçamento e um cenário como o atual: onde apenas quem tem dinheiro, e muito, tem chance de alcançar algo maior na categoria.

O que pode ser feito para mudar esse quadro? O que poderia ser a Fórmula 1 de hoje sem alguns dos erros do passado? E mais reflexões sobre o momento de times pequenos x grandes equipes são temas que voltaremos a discutir no futuro.

O que o começo tão promissor de pilotos tão inexperientes significa para a Fórmula 1?

Além do promissor Max Verstappen, a Fórmula 1 tem visto vários pilotos brilharem mesmo chegando à categoria com quase nenhuma experiência.




“A Fórmula 1 sempre foi o ápice, o topo, não apenas em termos de tecnologia, de mídia ou de currículo, mas principalmente de dificuldade. O carro de Fórmula 1 foi, e deveria ser sempre, a máquina que mais exige preparo, esforço e aprendizado daquele que se propõe a pilotá-lo. Para se ter sucesso na Fórmula 1, deveria ser fundamental guiar vários monopostos diferentes, ter uma vasta experiência em situações de corrida, acerto de carro e um mínimo de aprimoramento técnico”



Coluna publicada em 16/04/2015 no site Velocidade


Max Verstappen estreou na Fórmula 1 em 2015. Em três corridas, deixou ótima impressão. Sua precocidade levantou vários questionamentos antes do inicio da temporada, por causa de sua idade e sua falta de experiência. Eu confesso que gostei de acompanhar em vários veículos e em outros locais da internet as dúvidas, ainda na “inter-temporada”, em torno da aposta que a Toro Rosso estava prestes a realizar.

Após 3 corridas, vejo que para muitos as dúvidas estão esclarecidas. Para muitas pessoas os questionamentos são de fato coisas passageiras (para outras eles nem sequer existem), mas como este colunista parece ter vindo ao mundo para questionar, acho que sou um dos poucos para quem, após 3 boas corridas, as atuações de Max Verstappen jogam luz sobre um ponto pouco explorado do automobilismo atual. Para este que vos escreve, a confirmação do talento de Verstappen gera outras dúvidas – quem sabe até mais pertinentes, você leitor julgará – sobre como um piloto que mal completou 50 corridas na carreira já surge como futura estrela das pistas.

Explica-se, antes que se exponha qualquer argumento: questionar o sucesso de Verstappen, que é o que esta coluna fará, não significa questionar o talento de Verstappen. Já aproveito para deixar clara e expressa ao leitor a minha ótima impressão inicial deste menino. Guia com precisão: embora erros sejam naturais, raramente os cometeu até agora – mas ainda há muito caminho pela frente, não nos esqueçamos. Além disso, ele me parece ter uma característica muito interessante, que é um bom controle de carro. Suas ultrapassagens em Xangai foram muito interessantes. Algumas com alto grau de técnica, e em algumas delas uma sensação nítida de um estilo de atacar – tardiamente dentro da curva – diferenciado. O ano de 2015 indica até o momento que, na pior das hipóteses, ele se adaptou muito bem ao carro, à equipe, à Fórmula 1.... E isso na pior das hipóteses! Na melhor delas, é possível dizer que é um talento que ainda poderemos apreciar por longo tempo. Ainda é muito cedo para o julgarmos, positiva ou negativamente, então devemos aguardar um pouco mais. O texto aqui apresentado não é de fato sobre ele.

A intenção do texto é questionar se não há algo minimamente curioso no fato de que um menino de 17 anos, com tão poucas corridas no currículo, assente num carro de Fórmula 1 e não mostre dificuldade de guia-lo. E não se trata de um caso único ou raro.
Perceba caro leitor, que Max Verstappen é apenas um exemplo usado para o questionamento. Eu poderia iniciar a coluna puxando pelo nome de Carlos Sainz, ou de Daniil Kvyat – este último com trajetória semelhante à de Verstappen: muito jovem, ascendeu à Fórmula 1 de uma categoria ainda muito rasa entre as que definimos como “de base” e fez uma temporada que deixou impressão positiva, tão positiva que ela já foi alçado à equipe principal da Red Bull.

Pareceu-me pertinente começar com Verstappen por ser provavelmente o exemplo mais nítido do raciocínio proposto: assustadoramente jovem, com experiência próxima de zero, e já apto a performances que impressionam. Mas o questionamento se dá pelo fato de vários outros pilotos, mesmo sem talento tão apurado, terem chegado à Fórmula 1 e parecem não ter sentido as mesmas dificuldades que, no passado, outros experimentaram quando chegaram ao ápice do automobilismo mundial.

A pergunta que surge, e que é muito difícil de ser respondida por quem está apenas do lado de fora, é: o quanto os carros de Fórmula 1 são difíceis de guiar? Entendam que fazer essa pergunta não significa dizer que são equipamentos fáceis de manusear. Para responder essa pergunta com exatidão, só mesmo alguém que já sentou e guiou aquelas máquinas. E é sempre bom lembrar que estamos falando de um esporte onde 3 décimos de segundo significam uma substancial diferença entre equipes ou pilotos. Mas talvez o melhor questionamento seja comparativo: em relação ao passado, o quanto ficou menos complicada a vida de um piloto de Fórmula 1?

Que me desculpem os discordantes, mas não consigo deixar de refletir sobre o tema ao ver um menino de apenas 17 anos chegar à Fórmula 1 e não sentir falta do aprendizado que uma GP2 ou World Series, por exemplo, oferecem. Mas a idade, mesmo muito tenra, não surpreende mais do que a falta de rodagem desses pilotos. Tornou-se nos últimos anos algo quase corriqueiro um piloto sair de categorias incomparavelmente menos potentes do que a principal delas, com monopostos que estão mais próximos de um kart do que de um carro de Fórmula 1, e ser alçado à categoria máxima.

Por mais que exista o talento, há algo que me causa estranheza no fato de a Fórmula 1 não ser mais o topo de uma montanha difícil de escalar. A Fórmula 1 sempre foi o ápice, o topo, não apenas em termos de tecnologia, de mídia ou de currículo, mas principalmente de dificuldade. O carro de Fórmula 1 foi, e deveria ser sempre, a máquina que mais exige preparo, esforço e aprendizado daquele que se propõe a pilotá-lo. Para se ter sucesso na Fórmula 1, deveria ser fundamental guiar vários monopostos diferentes, ter uma vasta experiência em situações de corrida, acerto de carro e um mínimo de aprimoramento técnico.

A Fórmula 1 não deveria estar ao alcance das crianças. A Fórmula 1 deveria ser o auge de uma longa carreira, o resultado de um longo esforço, deveria ser um prêmio, sim, àqueles que lutaram por ela ou a mereceram depois de vivenciar situações desfavoráveis e dificuldades, e depois de comprovada evolução como piloto de corridas.

Pense com seus botões, leitor, qual foi a última vez que vimos um piloto chegando à Fórmula 1 e sofrendo para conseguir performance? Ou para conseguir “dominar” o equipamento? Yuji Ide, talvez... Mas ele não conta, pois se encontra muito abaixo do nível médio dos pilotos de monopostos. Existiu nos últimos anos alguém para quem possamos apontar o dedo e dizer claramente que sucumbiu ao desafio de um carro de Fórmula 1?

É claro que é sempre bom ter boas novidades na categoria. É sempre interessante ver um piloto chegando e mostrando técnica. Isso causa em nós a expectativa de que o nível de talento do campeonato será elevado. Tudo isso procede, de fato. Mas uma coisa é um piloto chegar à Fórmula 1 tendo passado, por Fórmula Renault, Fórmula 3, mais algum tempo em uma World Series / GP2, ou seja, tendo se preparado amplamente para as diversas dificuldades que terá pela frente. Outra, bem diferente, é um piloto com menos de 50 corridas na carreira não ter dificuldade em guiar um Fórmula 1.

Em qualquer esporte de alto nível, apenas talento não deveria ser suficiente para o sucesso. Em qualquer esporte de alta performance até mesmo o talento precisa ser trabalhado, precisa ser aprimorado, precisar ser desenvolvido. Não parece ser o caso hoje do automobilismo. Isso é algo sobre o qual deveríamos pensar.

As novas regras de pontuação para se obter a superlicença vão impedir que estes “saltos de categorias” aconteçam no futuro, então talvez esta seja a ultima oportunidade de percebermos que a distância do carro de Fórmula 1 para o de Fórmula Renault talvez tenha se tornado curta demais.