segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Quem o regulamento da Fórmula 1 deveria de fato proteger

Se a Red Bull abandonar o esporte, a Fórmula 1 teria como tapar, de imediato, o buraco deixado pela saída de 4 carros do grid de uma só vez?




“A Fórmula 1 se deixou arrastar para um ponto em que não é mais possível conquistar, ou sequer sonhar em conquistar, qualquer coisa sem que seja despejado algo perto de meio bilhão de dólares em desenvolvimento, estrutura, salários, túnel de vento, equipes enormes de engenheiros e pesquisa 7 dias por semana dentro das fábricas”



Texto publicado em 02/05/2015 no site Velocidade



Dietrich Mateschitz afirmou há alguns dias que a sua empresa, a Red Bull, pode sair da Fórmula 1.

E pode mesmo...

Vamos tentar fugir da análise rasa e simplista que aponta para algum tipo de “esperneio”, ou “choro de perdedor”, como alguns disseram. A questão vai além disso. Por mais que os resultados nas pistas estejam sendo preocupantes para aqueles que venceram 4 dos últimos 5 campeonatos mundiais, e por mais que as razões das reclamações possam de fato ser questionadas – todos sabemos que não só no esporte mas em todos os segmentos da vida há uma hora de vencer mas também há um momento em que se é derrotado -  ainda assim há algo na essência do discurso da Red Bull que precisa ser captado, que precisa ser pensado.

Independente do destino que a Red Bull escolha seguir, as indicações de possibilidades não muito favoráveis ao esporte devem sim ser levadas em consideração. Afinal, não seria a primeira grande companhia a sair da Fórmula 1. Não seria a última, provavelmente. E, como pior de tudo, não seria a primeira vez que a Fórmula 1 veria desaparecer do grid uma das equipes mais vitoriosas de todos os tempos.

A possível saída da Red Bull, caso ocorresse hoje, simplesmente aleijaria a Fórmula 1. Paradoxalmente, é a oportunidade da Fórmula 1 repensar e discutir porque o mais importante para ela deveria ser zelar pelas equipes pequenas, e não as grandes, apesar do estrago que a saída da Red Bull faria no grid de hoje. Este é o principal argumento desta coluna de hoje.

Em principio há um paradoxo no pensamento, certo? Hoje a presença da Red Bull é quase que fundamental para se ter um grid – que já é dos mais raquíticos – com um mínimo aceitável de carros. Mas é justamente pela possibilidade de saída de uma “grande empresa” que a Fórmula 1 deveria olhar para aqueles que hoje são chamados de “pequenos”, mas que na verdade e na história da categoria são muito maiores do que os imediatistas dos dias atuais podem imaginar. A Fórmula 1 se tornou refém, se tornou dependente das “empresas gigantes”, mas não são elas que a Fórmula 1 deveria proteger, ou por quem deveria zelar – todo o seu regulamento deveria “convidar”, ou deveria servir para manter no esporte aqueles que fizeram a Fórmula 1 chegar onde chegou, e que construíram algumas das mais ricas páginas de sua história: as autênticas equipes de corridas, e não montadoras ou companhias que fazem da Fórmula 1 apenas mais um departamento entre os vários que existem em suas estruturas.

Especificamente sobre a Red Bull, evidentemente há na Fórmula 1 um jogo de “pressão por vias externas”, ou seja: uso da mídia para declarar posições de forma muitas vezes mais exagerada do que elas realmente são. Algumas equipes já utilizaram desta tática. O próprio mandatário da Fórmula 1 usa a mídia a seu bel prazer – mídia essa que se deixa levar e manipular com facilidade, diga-se de passagem – para projeções catastróficas ou profecias desconexas.

Mas os tempos atuais são preocupantes, o leitor há de concordar. O grid está pobre, a raiz estrutural privilegia alguns poucos, os gastos estão enormes, pilotos pagantes se tornaram figuras comuns. Hoje, a Fórmula 1 não está em condições de perder mais carros no grid, muito menos de perder uma das empresas que mais se envolveram com automobilismo desde que esse esporte passou a existir. Eu mesmo talvez não tenha visto uma empresa se envolver em tantas categorias, com tantos pilotos e com tamanha seriedade de projeto como a Red Bull. Por isso, acho que merecem que suas declarações sejam ouvidas.

Empresas não choram, empresas não esperneiam. Empresas agem. Empresas cortam orçamento. Se alguém – e ninguém mais ninguém menos que o presidente da empresa, ou seja, não se trata de uma figura qualquer da cadeia de comando – vem a publico e coloca a participação de seu time na Fórmula 1 em questão, isto deve ser considerado e debatido por quem se preocupa com o futuro da categoria. Mesmo que seja algo para atrair atenção para a causa da equipe (uma mudança no regulamento, no caso, para ajudar na verdadeira batalha pela qual passa a Renault para fazer um motor minimamente competitivo), a saída da Red Bull não é uma possibilidade a se descartar. Afinal, não seria a primeira grande corporação a desistir da Fórmula 1 quando lhe convém. Ou alguém que acompanha a Fórmula 1 pode garantir, com 100% de certeza, que a Red Bull ficará no esporte para sempre? O que nos resta é cogitar os cenários prováveis que o futuro pode nos apresentar.

Todo ano, em algum momento do verão europeu, os diretores da companhia se reúnem e discutem a permanecia – sendo mais especifico: o retorno financeiro – da empresa na Fórmula 1. Não é um procedimento novo, ou que tenha relação com a atual dificuldade da equipe em conseguir resultados dentro da pista. Trata-se de um procedimento padrão, uma reunião anual de uma empresa que faz seus balanços e levanta seus dados. Não há nada de anormal no fato de uma grande empresa fazer isso. E estas mesmas reuniões ocorreram em 2011, 2012, 2013.... Enfim, também nos anos em que a Red Bull conquistava resultados incontestáveis.

O possível prejuízo, ou o tamanho da perda para a categoria com uma possível saída da Red Bull é muito grande, muito maior do que deveria. Por isso eu afirmo que mesmo que não saiam agora, a simples ameaça já joga luz (ou deveria jogar) no grave problema da categoria: a dependência das grandes empresas. E raciocinemos com clareza o fato obvio que poucas pessoas querem enxergar: algum dia eles irão sair. Não vão ficar para sempre.
E caso saiam hoje, possuiria a Fórmula 1 condições estruturais para preencher 4 vagas no grid? Não se esqueça, leitor, que a Red Bull põe na pista 4 carros atualmente, e não apenas dois.

A Fórmula 1 se deixou arrastar para um ponto em que não é mais possível conquistar, ou sequer sonhar em conquistar, qualquer coisa sem que seja despejado algo perto de meio bilhão de dólares em desenvolvimento, estrutura, salários, túnel de vento, equipes enormes de engenheiros e pesquisa 7 dias por semana dentro das fábricas.

Atingimos aqui o chamado “ponto de reflexão”: Por ter chegado a esta situação, a Fórmula 1 passa a ser dependente de empresas que deveriam – sem sombra de dúvida – participar do esporte, mas não controlar o esporte, não fazer do esporte algo que premie apenas quem tem mais dinheiro.

A propulsão financeira sempre fará diferença nos esportes. Em todos eles. O que dizer então de um esporte que possui equipamento tão complexo, tão desenvolvido, com tantas peças e tanta tecnologia por trás? Sem dúvida, é ilusório pensar que um dia teremos uma Fórmula 1 com 12 equipes de tamanhos equivalentes. Mas há uma distância entre uma equipe ter melhores condições por ter um maior orçamento e um cenário como o atual: onde apenas quem tem dinheiro, e muito, tem chance de alcançar algo maior na categoria.

O que pode ser feito para mudar esse quadro? O que poderia ser a Fórmula 1 de hoje sem alguns dos erros do passado? E mais reflexões sobre o momento de times pequenos x grandes equipes são temas que voltaremos a discutir no futuro.

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