Se a Red Bull abandonar o esporte, a Fórmula 1 teria como tapar, de
imediato, o buraco deixado pela saída de 4 carros do grid de uma só vez?
“A Fórmula 1 se deixou arrastar para um ponto em que não é mais
possível conquistar, ou sequer sonhar em conquistar, qualquer coisa sem que
seja despejado algo perto de meio bilhão de dólares em desenvolvimento,
estrutura, salários, túnel de vento, equipes enormes de engenheiros e pesquisa
7 dias por semana dentro das fábricas”
Texto publicado em 02/05/2015 no site Velocidade
Dietrich Mateschitz afirmou há alguns
dias que a sua empresa, a Red Bull, pode sair da Fórmula 1.
E pode mesmo...
Vamos tentar fugir da análise rasa e
simplista que aponta para algum tipo de “esperneio”, ou “choro de perdedor”,
como alguns disseram. A questão vai além disso. Por mais que os resultados nas
pistas estejam sendo preocupantes para aqueles que venceram 4 dos últimos 5
campeonatos mundiais, e por mais que as razões das reclamações possam de fato
ser questionadas – todos sabemos que não só no esporte mas em todos os
segmentos da vida há uma hora de vencer mas também há um momento em que se é
derrotado - ainda assim há algo na
essência do discurso da Red Bull que precisa ser captado, que precisa ser
pensado.
Independente do destino que a Red Bull
escolha seguir, as indicações de possibilidades não muito favoráveis ao esporte
devem sim ser levadas em consideração. Afinal, não seria a primeira grande
companhia a sair da Fórmula 1. Não seria a última, provavelmente. E, como pior
de tudo, não seria a primeira vez que a Fórmula 1 veria desaparecer do grid uma
das equipes mais vitoriosas de todos os tempos.
A possível saída da Red Bull, caso
ocorresse hoje, simplesmente aleijaria a Fórmula 1. Paradoxalmente, é a
oportunidade da Fórmula 1 repensar e discutir porque o mais importante para ela
deveria ser zelar pelas equipes pequenas, e não as grandes, apesar do estrago
que a saída da Red Bull faria no grid de hoje. Este é o principal argumento
desta coluna de hoje.
Em principio há um paradoxo no
pensamento, certo? Hoje a presença da Red Bull é quase que fundamental para se
ter um grid – que já é dos mais raquíticos – com um mínimo aceitável de carros.
Mas é justamente pela possibilidade de saída de uma “grande empresa” que a
Fórmula 1 deveria olhar para aqueles que hoje são chamados de “pequenos”, mas que
na verdade e na história da
categoria são muito maiores do que os imediatistas dos dias atuais podem
imaginar. A Fórmula 1 se tornou refém, se tornou dependente das “empresas
gigantes”, mas não são elas que a Fórmula 1 deveria proteger, ou por quem deveria
zelar – todo o seu regulamento deveria “convidar”, ou deveria servir para
manter no esporte aqueles que fizeram a Fórmula 1 chegar onde chegou, e que
construíram algumas das mais ricas páginas de sua história: as autênticas
equipes de corridas, e não montadoras ou companhias que fazem da Fórmula 1
apenas mais um departamento entre os vários que existem em suas estruturas.
Especificamente sobre a Red Bull, evidentemente
há na Fórmula 1 um jogo de “pressão por vias externas”, ou seja: uso da mídia
para declarar posições de forma muitas vezes mais exagerada do que elas
realmente são. Algumas equipes já utilizaram desta tática. O próprio mandatário
da Fórmula 1 usa a mídia a seu bel prazer – mídia essa que se deixa levar e
manipular com facilidade, diga-se de passagem – para projeções catastróficas ou
profecias desconexas.
Mas os tempos atuais são preocupantes, o
leitor há de concordar. O grid está pobre, a raiz estrutural privilegia alguns
poucos, os gastos estão enormes, pilotos pagantes se tornaram figuras comuns. Hoje,
a Fórmula 1 não está em condições de perder mais carros no grid, muito menos de
perder uma das empresas que mais se envolveram com automobilismo desde que esse
esporte passou a existir. Eu mesmo talvez não tenha visto uma empresa se envolver
em tantas categorias, com tantos pilotos e com tamanha seriedade de projeto
como a Red Bull. Por isso, acho que merecem que suas declarações sejam ouvidas.
Empresas não choram, empresas não
esperneiam. Empresas agem. Empresas cortam orçamento. Se alguém – e ninguém
mais ninguém menos que o presidente da empresa, ou seja, não se trata de uma
figura qualquer da cadeia de comando – vem a publico e coloca a participação de
seu time na Fórmula 1 em questão, isto deve ser considerado e debatido por quem
se preocupa com o futuro da categoria. Mesmo que seja algo para atrair atenção
para a causa da equipe (uma mudança no regulamento, no caso, para ajudar na
verdadeira batalha pela qual passa a Renault para fazer um motor minimamente
competitivo), a saída da Red Bull não é uma possibilidade a se descartar.
Afinal, não seria a primeira grande corporação a desistir da Fórmula 1 quando
lhe convém. Ou alguém que acompanha a Fórmula 1 pode garantir, com 100% de
certeza, que a Red Bull ficará no esporte para sempre? O que nos resta é
cogitar os cenários prováveis que o futuro pode nos apresentar.
Todo ano, em algum momento do verão
europeu, os diretores da companhia se reúnem e discutem a permanecia – sendo
mais especifico: o retorno financeiro – da empresa na Fórmula 1. Não é um
procedimento novo, ou que tenha relação com a atual dificuldade da equipe em
conseguir resultados dentro da pista. Trata-se de um procedimento padrão, uma
reunião anual de uma empresa que faz seus balanços e levanta seus dados. Não há
nada de anormal no fato de uma grande empresa fazer isso. E estas mesmas
reuniões ocorreram em 2011, 2012, 2013.... Enfim, também nos anos em que a Red
Bull conquistava resultados incontestáveis.
O possível prejuízo, ou o tamanho da
perda para a categoria com uma possível saída da Red Bull é muito grande, muito
maior do que deveria. Por isso eu afirmo que mesmo que não saiam agora, a
simples ameaça já joga luz (ou deveria jogar) no grave problema da categoria: a
dependência das grandes empresas. E raciocinemos com clareza o fato obvio que
poucas pessoas querem enxergar: algum dia eles irão sair. Não vão ficar para
sempre.
E caso saiam hoje, possuiria a Fórmula 1
condições estruturais para preencher 4 vagas no grid? Não se esqueça, leitor,
que a Red Bull põe na pista 4 carros atualmente, e não apenas dois.
A Fórmula 1 se deixou arrastar para um
ponto em que não é mais possível conquistar, ou sequer sonhar em conquistar,
qualquer coisa sem que seja despejado algo perto de meio bilhão de dólares em
desenvolvimento, estrutura, salários, túnel de vento, equipes enormes de
engenheiros e pesquisa 7 dias por semana dentro das fábricas.
Atingimos aqui o chamado “ponto de
reflexão”: Por ter chegado a esta situação, a Fórmula 1 passa a ser dependente
de empresas que deveriam – sem sombra de dúvida – participar do esporte, mas
não controlar o esporte, não fazer do esporte algo que premie apenas quem tem
mais dinheiro.
A propulsão financeira sempre fará
diferença nos esportes. Em todos eles. O que dizer então de um esporte que possui
equipamento tão complexo, tão desenvolvido, com tantas peças e tanta tecnologia
por trás? Sem dúvida, é ilusório pensar que um dia teremos uma Fórmula 1 com 12
equipes de tamanhos equivalentes. Mas há uma distância entre uma equipe ter
melhores condições por ter um maior orçamento e um cenário como o atual: onde
apenas quem tem dinheiro, e muito, tem chance de alcançar algo maior na
categoria.
O que pode ser feito para mudar esse quadro? O que
poderia ser a Fórmula 1 de hoje sem alguns dos erros do passado? E mais
reflexões sobre o momento de times pequenos x grandes equipes são temas que
voltaremos a discutir no futuro.
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